Nesta temporada do Oscar, uma oração tem nome, e é “Sinners”.
Com “Sinners”, o roteirista e diretor Ryan Coogler, uma das forças mais discretas e impactantes de Hollywood, adentra um gênero há muito negligenciado pela Academia e, mais uma vez, muda as regras do jogo. “Sinners” é um suspense psicológico de construção lenta, que não representa apenas uma mudança de direção para Coogler — é uma verdadeira declaração de intenções.
Há mais de uma década, Coogler tem sido uma força revolucionária silenciosa em Hollywood — simbolizando, para a comunidade negra, uma figura comparável ao nosso próprio Christopher Nolan. De narrar as últimas horas de vida de Oscar Grant em “Fruitvale Station”, a reviver a franquia “Rocky” com “Creed”, passando por quebrar barreiras com o fenômeno cultural “Pantera Negra”, Coogler combina narrativas pessoais e políticas com apelo de massa como poucos.
Agora, chega “Sinners”, um sucesso de bilheteria aclamado pela crítica, que promete redefinir tanto a carreira de Coogler quanto os antigos limites da Academia em relação ao terror. E, se houver justiça, seu nome será gravado na restrita e vergonhosamente pequena lista de diretores negros indicados ao Oscar de melhor direção — grupo que inclui John Singleton, Lee Daniels, Steve McQueen, Barry Jenkins, Jordan Peele e Spike Lee.
O terror sempre foi visto como o enteado incômodo da Academia — barulhento, sangrento, estranho demais. “Psicose” (1960) e “O Bebê de Rosemary” (1968) foram ignorados quando deveriam ter reinado. Poucos monstros conseguiram romper essa barreira, como “O Silêncio dos Inocentes” (1991), vencedor de melhor filme, e “Corra!” (2017), vencedor de melhor roteiro original. Mas, em um mundo pós-“Substance”, onde o body horror pode render cinco indicações, “Sinners” já não parece um risco, e sim um momento inevitável.
Michael B. Jordan, musa de longa data de Coogler, entrega uma atuação dupla impressionante como os irmãos gêmeos Smoke e Stack, performances tão distintas e vibrantes que é difícil acreditar que compartilham o mesmo corpo. Jordan, injustamente esquecido por “Fruitvale Station” e “Pantera Negra”, agora exige atenção do Oscar. Ao seu lado, o novato Miles Caton explode na tela como Sammie “Preacher Boy” Moore, evocando a mesma energia bruta que lançou Daniel Kaluuya ao estrelato.
Delroy Lindo, um dos atores mais subestimados de Hollywood, entrega uma atuação poderosa como Slim, merecendo reconhecimento especialmente após sua injusta exclusão por “Destacamento Blood” (2020). O elenco é recheado de vida e talento: Jack O’Connell, Wunmi Mosaku, Jayme Lawson, Li Jun Li e Hailee Steinfeld. Um conjunto tão forte que deveria obrigar o SAG Awards a abrir espaço em sua principal categoria, além de validar o novo Oscar de melhor elenco. A diretora de elenco Francine Maisler seria uma primeira homenageada ideal.
Lançamentos no início do ano, como “Duna: Parte Dois” (2023) e “Vidas Passadas” (2022), lembram que a grandeza não é sazonal, e “Sinners” pode surfar essa onda. A própria trajetória vitoriosa de “Pantera Negra” no Oscar começou em fevereiro, provando que, se houver qualidade, o calendário pouco importa.
Coogler reúne novamente seu time de artesãos excepcionais: a designer de produção Hannah Beachler, a figurinista Ruth E. Carter e o compositor Ludwig Göransson — um verdadeiro trio de ouro. E para Carter e Göransson, um terceiro Oscar pode muito bem estar no horizonte.
Destaca-se ainda a fotografia de Autumn Durald Arkapaw, com cada quadro imerso na inquietação e na beleza trágica da década de 1930. Seu trabalho luminoso, visto em “Teen Spirit” e na série “Loki”, onde foi indicada ao Emmy, atinge um nível de excelência que pode, finalmente, consagrar uma mulher como vencedora de melhor fotografia. Até hoje, apenas três mulheres foram indicadas: Rachel Morrison (“Mudbound”), Ari Wegner (“Ataque dos Cães”) e Mandy Walker (“Elvis”). Muitos duvidam que veremos uma mulher vencer ainda nesta geração; após “Sinners”, acredito que sim.
O que “Sinners” realiza é, de maneira sutil, revolucionário. Trata o terror não como mero susto, mas como expressão de alma. Convida o público não apenas a temer, mas a sentir. Fica no cruzamento entre a sobrevivência e a memória — um filme tão político quanto pessoal, tão assombrado quanto humano. E tudo isso entrelaçado ao espírito vampírico de olhos vermelhos que persegue seus personagens.
Para Coogler, o Oscar nunca foi o objetivo final. Na melhor das hipóteses, é uma consequência natural de fazer o trabalho mais difícil: contar histórias que desafiam o mundo a olhar mais de perto, amar mais profundamente e resistir por mais tempo. “Sinners” não pede o voto da Academia. Exige uma reflexão. Para muitos de nós, é um dos filmes pelos quais este ano deve ser medido.
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