Em um cenário cinematográfico recentemente saturado por histórias sobre os super-ricos, com filmes e séries que exploram mansões opulentas e personagens superficiais, surge um contraponto sombrio e necessário. Enquanto produções como The White Lotus, Triângulo da Tristeza e Glass Onion transformaram a crítica à elite em entretenimento escapista, a tendência começou a mostrar sinais de cansaço. O diretor Benjamin Caron, conhecido por seu trabalho em séries de sucesso como The Crown e Andor, já havia explorado a divisão de classes em seu filme de estreia, Sharper. Agora, ele retorna com uma obra muito mais densa e com uma mensagem mais séria: Night Always Comes é um mergulho de quase duas horas na realidade desesperadora de uma mulher levada ao limite por suas circunstâncias.
Uma luta desesperada por um lar
A vida nunca foi fácil para Lynette (interpretada por uma intensa Vanessa Kirby). Ela ainda mora na mesma casa precária na periferia de Portland, Oregon, onde nasceu. Seu pai foi embora há muito tempo e nunca mais voltou. Sua mãe, Doreen (uma Jennifer Jason Leigh maravilhosamente exasperante), é a definição de instabilidade, e seu irmão mais velho, Kenny (Zack Gottsagen, de O Falcão Manteiga de Amendoim), necessita de cuidados constantes para não ser novamente levado pelos serviços sociais.
No entanto, quando o filme começa, há um fio de esperança. Lynette conseguiu negociar com o proprietário ardiloso do imóvel e convencê-lo a vender a casa para a família por um preço relativamente justo. Para Lynette, possuir aquele lugar significaria a estabilidade que eles nunca tiveram — uma âncora, uma única vitória. Não importa que a casa esteja caindo aos pedaços; o que importaria é que seria deles.
Uma odisseia sombria e imprevisível
Baseado no romance de Willy Vlautin, fica claro desde o início que este plano não dará certo. Afinal, a cena de abertura já nos mostra uma Lynette ensanguentada e exausta em frente à maldita casa, sem qualquer traço de triunfo. O filme se propõe a responder como ela chegou àquele ponto, mas as respostas, infelizmente, não conseguem surpreender. A trama força a personagem a uma série de situações episódicas, cada vez menos envolventes e críveis, em sua busca desesperada para conseguir $25.000 e evitar que a casa seja tomada de sua família.
Atuação impecável, roteiro problemático
Vanessa Kirby, uma das atrizes mais talentosas de sua geração, se entrega ao papel com uma determinação impressionante, já demonstrada em filmes como Pieces of a Woman. As motivações de Lynette — proteger o irmão e garantir um mínimo de segurança financeira — são criadas para gerar empatia no público. Contudo, o roteiro de Sarah Conradt insiste em sobrecarregar a narrativa com diálogos expositivos sobre o passado sombrio da personagem e suas más decisões. Lynette é impulsiva, confrontadora e temperamental, e embora seja positivo que o roteiro não tente suavizá-la, sua jornada rapidamente passa do desespero para a imprudência. Quando o ritmo diminui para tentar dar mais profundidade à personagem, o único recurso do roteiro é empilhar mais traumas em sua história, tornando-a um produto exclusivo das piores coisas que lhe aconteceram.
Veredito final: entre o thriller e o drama social
Benjamin Caron evita em grande parte as acusações de explorar a “pornografia da miséria”, com uma direção que é propulsiva nos momentos certos e contida quando necessário. O problema é que Night Always Comes tenta ser duas coisas ao mesmo tempo: um thriller de ação eletrizante e um drama social contundente. Embora Caron consiga extrair suspense dos momentos iniciais, falta peso emocional para sustentar o ato final, mais focado nas relações humanas. Ao final, a desolação avassaladora da história se torna entorpecente. Apesar de ser um filme sombriamente atual e da nobre intenção de uma gigante como a Netflix em financiar histórias sobre pessoas esmagadas por um sistema impossível, apenas boas intenções não são suficientes para salvar esta obra de suas falhas.
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